Imagem: Reprodução/Uol/FSP
Durante toda a sua vida,
desde a adolescência, o sociólogo e crítico literário paulista Antonio Candido manteve
cadernos de anotações em que registrava observações sobre a vida pessoal,
familiar e também a política do Brasil.
Este documentário extrai trechos selecionados de seus últimos cadernos,
escritos entre 2015 e 2017.
A primeira revelação do documentário Antonio Candido, anotações
finais, de Eduardo Escorel, parte de sua origem: os cadernos de
anotações que o notável sociólogo e crítico literário paulista, falecido em
2017, manteve ao longo de toda sua vida, desde a adolescência.
Nestes cadernos
cuidadosamente escritos à mão, pontuados, às vezes, com recortes de artigos de
jornal, o brilhante intelectual e pensador derramava reflexões ao mesmo tempo intimistas e agudas,
sobre pessoas que conhecia e acontecimentos de um país que nunca deixou de inquietá-lo, até o fim. Sobretudo
porque o recorte dos cadernos que embasaram este filme vieram dos últimos, escritos entre 2015 e 2017, período
particularmente sombrio da nação
brasileira.
A política, sempre
importante, o preocupa, já que ele via no PT um partido que
cumpriu um papel histórico, o de ter tirado da miséria milhões de pessoas, a
seu ver a grande tarefa num país iníquo. Mas a missão de resgate social
permanecia, para ele, inconclusa. Ele via no negro “o grande excluído”, uma
camada descartada e não incluída na sociedade desde a Abolição.
O ator Matheus Nachtergaele interpreta o narrador
onisciente, dando voz a este Antonio Candido do
além-túmulo que, como o Brás Cubas de Machado de Assis,
olhasse para trás e falasse em primeira pessoa - o que dá ao filme um tom de
diálogo muito eloquente e não raro emotivo.
Candido revela sua sensibilidade especialmente quando fala de
sua mulher, a filósofa e crítica literária Gilda Mello e Souza, cuja morte, em
2005, o abalou muito. Ele lembrava de seu casamento com ela o fato mais
importante de sua vida, criando um vínculo afetivo e uma troca intelectual das
mais profícuas.
Um aspecto notável
nestas reflexões é como a melancolia aparece sempre associada a uma lucidez
admirável, além de um apego inconteste com a arte, particularmente a literatura
- à qual ele confinava os momentos fugazes de ordem e beleza do mundo,
lembrando obras que o tinham afetado inclusive fisicamente desde a juventude,
como Os
miseráveis, de Victor Hugo, Os
demônios, de Fiodor Dostoievski, e Grande sertão, veredas, de
Guimarães Rosa.
A morte, certamente, ocupava muitas de suas observações. Ele não
a temia e eventualmente desejava, até por força da ausência da mulher e de
tantos outros parentes e amigos. Candido se sabia
passageiro de um outro tempo e se preparava para partir. E deixando atrás de si
um esplêndido legado.
É muito feliz a decisão de incluir também no filme um trecho em
que o próprio Candido fala de viva voz, em imagens filmadas em 1995 - em que
ele faz reflexões sobre liberdade e igualdade que não deixam dúvidas de um
posicionamento inabalável sobre a superioridade desta última.
Fonte: IHU