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Toni Morrison disse que se há um livro que você
quer ler, mas que ainda não foi escrito, você deve escrevê-lo. Talvez seja para
isso a literatura: para vingar, arrebatar ou apenas buscar alívio.
Foi a partir das histórias de meninas de 9 a 14 anos, vítimas do abuso e desprotegidas pelo estado, que nasce “Cavala,”, romance de estreia de Mariana Higa, publicado pela Editora Patuá e lançado na Flip 2024.
“Cavala,” traça a trajetória de Izabel, uma menina que cresce no cerrado mineiro, em um pequeno sítio. A violência sexual transforma os dias da menina, que se apega aos livros e à literatura para escapar de sua realidade. O elemento fantástico e até sobrenatural é o aparecimento de uma cavala de cor preta, que surge das sombras da floresta para sua vida.
A cavala é responsável por cenas mágicas com Iansã – a orixá da cultura iorubá; Maeve – a lendária rainha da mitologia irlandesa; e até mesmo figuras históricas como Dandara dos Palmares.
A presença da cavala como entidade mágica será crucial para que a menina se sinta amparada no episódio mais traumático de sua infância: aos 14 anos, é descoberta grávida de 23 semanas. Izabel é vítima de estupro e por isso o aborto deve ser realizado legalmente, caso seja o desejo da vítima ou caso a gravidez coloque sua vida em risco.
No entanto, assim como muitas meninas na vida real, ela terá de enfrentar todo tipo de embargo de autoridades judiciais, políticas e até mesmo religiosas:
Entre as figuras históricas, a escritora Clarice Lispector aparece como personagem de ficção, quando Izabel se torna uma jovem adulta e vai morar em Niterói, no Rio de Janeiro, com sua mãe. Clarice surge como uma figura maternal, em plena década de 1970, e irá ajudar Izabel a desenvolver-se como escritora. Izabel passa a manter grande proximidade com a autora, inclusive indo à sua cartomante:
“Saímos silenciosas da cartomante e quando fomos atravessar a
rua, a escritora falou: “Ela me disse tantas coisas bonitas. Não seria
engraçado se saindo daqui eu morresse atropelada?”
Rimos da ironia, e
pensei comigo mesma que, se eu era regida por Saturno, ela seria certamente
regida por uma estrela solitária.
Mariana Higa nasceu em 1985, no ABC Paulista, onde também reside. É autista nível 1 de suporte e lida diariamente com os desafios da Síndrome de Sjögren, uma autoimune rara. É formada em Letras pela Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Trabalhou por mais de uma década com Recursos Humanos. Este é seu romance de estreia.
Fonte:
Jornal Nota