As distopias, seja na literatura ou no cinema, nascem de inquietações de seus criadores a respeito do estado de coisas no tempo presente. A concepção de futuro é moldada a partir de questões que borbulham e incomodam no espaço-tempo em que essas obras são produzidas.
Faz muito sentido, portanto, que Medida Provisória, primeiro longa-metragem de ficção dirigido pelo ator baiano Lázaro Ramos, venha à tona em um momento no qual o racismo estrutural se torna um tema urgente, que precisa ser debatido pela sociedade brasileira. O mito da democracia racial prova ser hoje uma miragem, o delírio de um passado de autoengano.
Em um futuro não muito distante, porém não determinado, o Brasil atravessa, em Medida Provisória, um momento de tensão após a revogação de uma lei que dava aos descendentes de escravos o direito de serem indenizados pelo mal causado pelo Estado aos seus antepassados, sequestrados em suas terras de origem, transportados em condições desumanas às Américas, comercializados como animais e submetidos por toda a vida a péssimas condições de trabalho e existência, sem liberdade ou pagamento.
A suspensão desse direito faz com que os afrodescendentes brasileiros se revoltem e o governo responde a essa indignação primeiro com uma oferta insólita: todos os que se identificarem como negros receberão, de graça, passagens para irem à África, conhecer de perto a terra de seus ancestrais. Alguns se entusiasmam com o programa e outros desconfiam que há algo por trás – e há.
Pouco tempo depois, é baixada a Medida Provisória 1888, que determina a prisão e extradição imediata de todos os afro-brasileiros, em um projeto de branqueamento do país