domingo, 17 de novembro de 2024

Em Cambuquira exibição de "Medida Provisória", dentro da "Semana da Consciência Negra."


 "Medida Provisória" para colaborar com uma semana de muita reflexão e aprendizado

As distopias, seja na literatura ou no cinema, nascem de inquietações de seus criadores a respeito do estado de coisas no tempo presente. A concepção de futuro é moldada a partir de questões que borbulham e incomodam no espaço-tempo em que essas obras são produzidas.

Faz muito sentido, portanto, que Medida Provisória, primeiro longa-metragem de ficção dirigido pelo ator baiano Lázaro Ramos, venha à tona em um momento no qual o racismo estrutural se torna um tema urgente, que precisa ser debatido pela sociedade brasileira. O mito da democracia racial prova ser hoje uma miragem, o delírio de um passado de autoengano.

Em um futuro não muito distante, porém não determinado, o Brasil atravessa, em Medida Provisória, um momento de tensão após a revogação de uma lei que dava aos descendentes de escravos o direito de serem indenizados pelo mal causado pelo Estado aos seus antepassados, sequestrados em suas terras de origem, transportados em condições desumanas às Américas, comercializados como animais e submetidos por toda a vida a péssimas condições de trabalho e existência, sem liberdade ou pagamento.

A suspensão desse direito faz com que os afrodescendentes brasileiros se revoltem e o governo responde a essa indignação primeiro com uma oferta insólita: todos os que se identificarem como negros receberão, de graça, passagens para irem à África, conhecer de perto a terra de seus ancestrais. Alguns se entusiasmam com o programa e outros desconfiam que há algo por trás – e há.

Pouco tempo depois, é baixada a Medida Provisória 1888, que determina a prisão e extradição imediata de todos os afro-brasileiros, em um projeto de branqueamento do país

A trama distópica funciona – e muito bem – como thriller político, à medida em que a tensão cresce e a perseguição, de um lado, e a resistência, do outro, são acirradas – é genial a ideia da criação de um afro-bunker, versão moderna de um quilombo. Medida Provisória envolve e incomoda, mas é também sagaz e irônico, em sua assumida intenção de colocar o dedo na ferida racial do Brasil.
                                                                                  Arte: Erika Ximenes

Genial também a ideia da exibição do filme em Cambuquira, dentro da Semana da Consciência Negra. Parabéns aos organizadores!