Imagem: Editora Relicário/Divulgação
Nos dias 20 e 21 de setembro, durante o Festival Artes Vertentes, em Minas Gerais, o livro "A porta aberta do sertão: histórias da Vó Geralda" (Relicário) será lançado trazendo à tona episódios de perseguição no campo pela ditadura militar.
A obra relata esse episódio no sertão mineiro e toda a travessia desta forte senhora de 83 anos, mostrando o que Vó Geralda, Oscar Niemeyer e Carlos Marighella têm em comum.
A porta aberta do sertão – Histórias da Vó Geralda nasceu a partir de um processo de escuta e transcrição dos relatos da Vó Geralda, que há 10 anos recebe na Fazenda Menino os Caminhantes do Sertão, que realizam a travessia inspirada em Grande Sertão: Veredas, livro de Guimarães Rosa. Isla Nakano e Renata Ribeiro são caminhantes que se transformaram em interlocutoras de Vó Geralda e coautoras deste livro.
Como nos mostra o livro e a pesquisa intitulada "Domínios do Demasiado: a cidade projetada por Oscar Niemeyer no vale do rio Urucuia (1955-1963)", desenvolvida pela coautora do livro e historiadora Renata Ribeiro, a Fazenda Menino, região onde Vó Geralda vive desde 1968, alimentou há 57 anos um dos projetos mais ambiciosos do país, mas que foi paralisado por disputas de terra e sufocado pela ditadura militar. Trata-se da construção de Marina, cidade projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. O projeto foi encomendado pelo empresário Max Hermann – dono da Fazenda Menino, financiador e ligado ao PCB –, meses antes da construção de Brasília. Hermann sonhava em construir uma cidade sustentável para 200 mil habitantes no Vale do Urucuia para homenagear a esposa, Marina Ramona.
“O povo falava que a cidade era preparação comunista, que era murada, muro fechado pra guerrilha...” (A porta aberta do sertão, p. 106).
Os blocos de habitação coletiva estariam cercados de parques, jardins e vegetação abundante, o que, segundo Niemeyer, integraria o “o seu verdadeiro objetivo, que é aproximar o homem da natureza para lhe proporcionar um ambiente natural e sadio". Na parte central dos conjuntos, estaria o "centro cívico" para a vida social: elementos de cultura, economia, trabalho e diversão. O projeto paisagístico da cidade estaria a cargo de Roberto Burle Marx.
Vó Geralda é testemunha viva da história de Marina, cidade enterrada sob o chão arenoso do sertão mineiro por diversos fatores, dentre eles a ditadura militar. Mas nem esse episódio lamentável foi capaz de tirar seus sonhos e sua alegria de viver. Como ela mesma diz, "no sertão você é livre, livre, e não tem medo".
De acordo com Maíra Nassif, editora da Relicário, a proposta de publicar o livro da Vó Geralda foi aceita e cumprida como missão. “Publicar seu livro foi o modo de me juntar às suas centenas de netos que percorrem o caminho do sertão todos os anos em busca de suas histórias", conta Maíra, para quem as memórias de Vó Geralda são não apenas individuais, mas também sociais e coletivas, e falam de um período traumático e turbulento do Brasil.
Ela cita, entre outros, a história da Fazenda Menino com o trânsito de membros do PCB na região, dentre eles Marighella (ainda que Vó Geralda não soubesse quem eles eram), a perseguição e quase morte de Vó Geralda pelas mãos dos militares no período da ditadura como fatos que, por si só, merecem projeção e conhecimento geral.
“Mas tudo isso ganha ainda mais força, pois vem justamente através de sua voz: uma mulher sertaneja de 83 anos com o dom da palavra, que carrega uma força descomunal e o desejo de agregar”, diz.
Fontes: Revista Fórum/O Estado de Minas