segunda-feira, 7 de setembro de 2015

A caganeira de D. Pedro e o grito da independência

Neste patriótico dia não há nada melhor que rememorar, com o depoimento escrito de uma testemunha ocular, o decantado grito à beira do riacho Ipiranga, em São Paulo, dado pelo princípe-herdeiro de Dom João VI em resposta às ordens recebidas das Cortes (o poder legislativo da monarquia portuguesa) de Lisboa, que anulavam a Convocação, por ele feita em junho, da Assembléia Constituinte do Reino do Brasil e determinavam seu retorno a Portugal, destituindo-o da função de regente da América portuguesa. Grito, aliás, que não ocorreu sobre nenhuma colina, nem rodeado de elegantíssimos soldados da Guarda dos Dragões (que só foi criada anos mais tarde) e muito menos sobre o lombo de um cavalo (mas de uma simples mula), como o pintou, sessenta e seis anos depois, em 1888, Pedro Américo (que plagiou descaradamente um quadro do francês Ernest Meissonier, “1807, Friedland”, pintado em 1875 para comemorar a vitória de Napoleão na referida batalha – as reproduções ao lado são, respectivamente das pinturas do paraibano plagiador e do europeu plagiado). Como aliás, a própria independência só se concretizou formalmente com a aclamação de dom Pedro como Imperador do Brasil, no Rio de Janeiro, em 12 de outubro de 1822 (casualmente seu 24.º aniversário) – data até a qual todos os decretos e atos oficiais são assinados, mesmo após o 7 de setembro, na condição de Princípe-Regente do Reino do Brasil, e em nome de Dom João VI. O quarentão Padre Belchior Pinheiro de Oliveira, pároco mineiro, era o confessor (logo o mentor particular das atitudes) de Dom Pedro e, como bom puxa-saco que era, escreveria em 1826 (quando já a popularidade do Imperador se esvaia pelo ralo) o panegírico em que fixaria permanentemente o imaginário histórico sobre a independência do Brasil, narrando os fatos por ele presenciados, como membro da principesca comitiva que se dirigia a São Paulo, vinda de Santos (onde o Pedrinho já se fartara pelas primeiras vezes nas carnes da irmã de um oficial do exército seu acompanhante, a Domitila cujos dotes sexuais lhe renderiam o nobre título de Marquesa de Santos, concedido pelo imperial amante). Mas, apesar de puxa-saco, Belchior não possuía a mesma habilidade cara-de-pau de Pedro Américo para alterar a verdade e, ainda que descreva de forma heróica os rompantes finais do amigo, nos revela, na carta cujos principais trechos transcrevo abaixo, um Dom Pedro inseguro, vaidoso e encagaçado (tanto no sentido metafórico quanto literal, pois recebeu as cartas de Leopoldina, José Bonifácio e das cortes, com as calças na mão, em meio à violenta caganeira). Um princípe-regente que se rebela contra a metrópole portuguesa antes por seu orgulho (ele que era caluniado, pelo parlamento português, como rapazinho e “brasileiro” – o supremo desaforo para um nobre europeu) e interesses de herdeiro do trono, do que pelo ideal de independência do Brasil. Vamos ao relato: “O príncipe mandou-me ler alto as cartas trazidas por Paulo Bregaro e Antônio Cordeiro. (…) D. Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os e deixou-os na relva. Eu os apanhei e guardei. Depois, abotoando-se e compondo a fardeta – pois vinha de quebrar o corpo à margem do riacho do Ipiranga, agoniado por uma disenteria, com dores, que apanhara em Santos – virou-se para mim e disse: – E agora, padre Belchior? E eu respondi prontamente: – Se V.A. não se faz rei do Brasil, será prisioneiro das Cortes e talvez deserdado por elas. Não há outro caminho, senão a independência e a separação. D. Pedro caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado por mim, Cordeiro, Bregaro, Carlota e outros, em direção aos nossos animais, que se achavam à beira da estrada. De repente estacou-se, já no meio da estrada, dizendo-me: – Padre Belchior, eles o querem, terão a sua conta. As Cortes me perseguem, chamam-me, com desprezo, de rapazinho e brasileiro. Pois verão agora o quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações: nada mais quero do governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal! (…) E arrancando do chapéu o laço azul e branco, decretado pelas Cortes, como símbolo na nação portuguesa, atirou-o ao chão, dizendo: – Laço fora, soldados! Viva a independência, a liberdade, a separação do Brasil. (…) O príncipe desembainhou a espada, no que foi acompanhado pelos militares; os paisanos tiraram os chapéus. E D. Pedro disse: – Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil. (…) Firmou-se nos arreios, esporeou sua bela besta baia e galopou, seguido de seu séquito, em direção a São Paulo, onde foi hospedado pelo brigadeiro Jordão, capitão Antônio da Silva Prado e outros, que fizeram milagres para contentar o príncipe. Mal apeara da besta, D. Pedro ordenou ao seu ajudante de ordens que fosse às pressas ao ourives Lessa e mandasse fazer um dístico em ouro, com as palavras “Independência ou Morte”, para ser colocado no braço, por um laço de fita verde e amarela. E com ele apareceu no espetáculo, onde foi chamado o rei do Brasil, pelo meu querido amigo alferes Aquino e pelo padre Ildefonso (…)” Como se vê, a consagrada e heróica frase, que se perpetuou nos mitos históricos oficiais como “O Grito do Ipiranga”, não foi bradada, espada em punho, em transes de coragem, coisa nenhuma. Simplesmente, ao chegar a São Paulo, após ter tido tempo suficiente durante o restante da viagem, apesar das paradas para cagar (“quebrar o corpo”, como diz pudicamente o padre Belchior), de bolar uma frase de efeito, Dom Pedro mandou gravá-la em uma fita para usar no braço, assim como Fernando Collor usava suas famosas camisetas com frases para dar seus recados políticos na presidência da República. (Ubirajara Passos) (retirado do blog Bira e as safadezas.