terça-feira, 3 de julho de 2018

Torcer ou não torcer pela seleção brasileira de futebol

Tenho visto algumas postagens, nas redes sociais, de pessoas reclamando de quem não torce pela seleção brasileira na Copa do Mundo. A principal justificativa é de que não se deve misturar futebol com política, também concordo que essa mistura não é saudável. Porém temos que observar que os políticos aproveitam da “cegueira” que o futebol promove e cometem barbaridades contra a população e gritamos gol, sem nos importar. Durante a Copa do Mundo realizada no México, em 1970 a grande dúvida, que incomodava a parcela da população brasileira que tinha consciência política e que, portanto, se posicionava contra a ditadura, era se deveria ou não torcer ou até mesmo assistir aos jogos da Seleção Brasileira de Futebol. A Seleção Brasileira de 1970 era a representante legítima do que havia de melhor no futebol brasileiro à época, diferentemente do que ocorre com a Seleção Brasileira dos dias de hoje. Nomes como Pelé, Rivelino, Tostão e Carlos Alberto Torres faziam a festa da torcida nos times em que jogavam aqui mesmo no Brasil. Não havia, como na Seleção de hoje, os jogadores chamados de “estrangeiros”. Todos jogavam no Brasil, o que criava grande empatia com o torcedor. Qualquer pessoa na rua dizia de cor a escalação do time, inclusive dos times onde cada atleta daquela seleção atuava. O futebol ainda não havia sido tomado de assalto pelas grandes marcas, pelos grandes anunciantes. Os atletas não tinham assinados contratos milionários, e se preocupavam mais em jogar bola do que com cortes de cabelo exóticos ou desfilar a bordo de carrões com roupas de gosto duvidoso. Portanto a grande contradição que havia entre torcer ou não pela “Seleção Canarinho” de 1970 não estava relacionada diretamente com a qualidade técnica daquele time, que, aliás, era magnífica. A contradição entre torcer ou não residia no fato de que aquela Seleção representava oficialmente o regime político do país comandado pela ditadura militar, ou seja, todo e qualquer sucesso do time era automaticamente transformado em dividendo político pela ditadura. Não foi a toa que o ditador Médici em pessoa levantou a taça da conquista da Copa do Mundo das mãos do próprio capitão da Seleção, Carlos Alberto Torres. O ditador Emílio Garrastazu Médici, aliás, torcedor fanático por futebol, fez questão de associar sua imagem pessoal à imagem da Seleção Brasileira, vencedora da Copa do Mundo. Esse é o grande perigo. O governo buscar méritos pela conquista e grande parte da população embarca nessa história. Ademais uma diferença gritante entre a seleção de 70 e a de hoje. Hoje, por exemplo, suas cores e sua marca mais conhecida, a CBF, são instantaneamente relacionadas pelo povo ao golpe que roubou a democracia do país e o jogou na pior crise política de sua história. Fica impossível dissociar a imagem de Neymar, principal jogador da Seleção atual, com a imagem de sonegador de impostos, ou mesmo da em vídeo gravado junto com o amigo Aécio Neves, apoiando a candidatura daquele que em sua campanha dizia que “combateria a corrupção”, mas foi flagrado pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, além de ameaçar “matar antes da delação” o transportador da propina. A Seleção Brasileira de 1970 ainda era a uma seleção de futebol, a despeito de ter sido cooptada e controlada pela ditadura. Por pior que esse fato possa parecer, ainda dava para torcer por ela, valendo-se do argumento do futebol arte, do esporte enquanto cultura, do encantamento que aquele apanhado de jogadores muito acima da média exercia sobre o povo. A seleção brasileira de 2018 é a seleção das grande marcas, a seleção do selfie, a seleção da meritocracia individual, a seleção dos escândalos, a seleção que dá manchetes pelo penteado de um jogador, ou das idas e vindas de seu relacionamento amoroso, mas que pouca ou nenhuma manchete dá por conta daquilo que seria, em tese, sua razão de existir: o futebol. Não é uma seleção de futebol, é um grupo de representantes das marcas envolvidas no evento, meros anunciantes pagantes. Se for campeã o governo golpista abusará em tirar vantagens, o mesmo governo que reduz as perspectivas de aposentadoria, de emprego e até o salário mínimo enquanto perdoa dívidas ao imposto de Renda de jogadores que recebem mais de cem mil reias mensais. Finalmente, é bom lembrar que patriotismo não tem nada a ver com torcer ou não torcer pela vitória de um grupo de jogadores que representam uma corrupta instituição que é a CBF.